O governo apresentou à Assembleia da Republica com pedido de prioridade e urgência o projeto de lei 115/XIV/3, que propõe uma série de alterações, dentre as quais é de se destacar, no que concerne ao processo de insolvência, a diminuição do prazo da exoneração do passivo restante. Já no que respeita o PER, o alargamento da proibição de suspensão da prestação de serviços durante o período de negociações para além dos serviços públicos essenciais e a limitação do período de suspensão das medidas executivas, assim como a possibilidade de prorrogação e levantamento fundamentado da mesma.
A proposta de lei visa transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas. Para além disso contém ainda alterações, que visam, no essencial, a clarificação pontual de aspetos processuais ou substantivos sobre os quais há imprecisão na lei, dissenso na doutrina ou jurisprudência.
Com expectativa de que a nova legislação entre em vigor no primeiro trimestre de 2022, o ministro de Estado, Economia e Transição Digital, Pedro Siza Vieira, explica que um ponto relevante é o da diminuição do “prazo da chamada exoneração do passivo restante de cinco anos para 30 meses”, ou seja, dois anos e meio. Em termos mais simples, isso quer dizer que as pessoas singulares que tenham sido declaradas insolventes ficarão menos tempo sujeitas à obrigação de afetar os rendimentos ao pagamento de dívidas. “Aquilo que estabelecemos nesta proposta de lei é que este período se reduza para dois anos e meio, dando uma segunda oportunidade às pessoas singulares para, após uma declaração de insolvência, poderem seguir com a sua vida. Muitos empresários em nome individual e muitos sócios de empresas que tiveram de avalizar as dívidas da empresa ficam sobrecarregados com dívidas que os acompanham durante muito tempo, sem terem a oportunidade de seguir em frente”, diz Siza Vieira. Neste contexto, a proposta de lei visa, fundamentalmente, diminuir a morosidade do processo de insolvência, contribuindo para a celeridade processual e dinamização do recurso a exoneração do passivo, favorecendo a reestruturação do insolvente e da Economia. O ministro defende que “uma economia que não dá segundas oportunidades torna-se hostil ao risco”. Siza Vieira reconhece, ainda, que, no panorama atual da pandemia, “haja empresas em todos os setores de atividade em que possa haver dificuldades em lidar com os compromissos que tinham anteriormente”. Por isso, defende que é “importante termos um quadro legislativo que facilite a reestruturação ou que, no caso de as empresas entrarem mesmo em insolvência, crie a possibilidade de, mais rapidamente, darmos um destino aos seus ativos e trabalhadores”.
Da proposta de lei do Governo, no que concerne ao regime do PER, notam-se algumas alterações de peso. A primeira tem a ver com o período de suspensão das medidas de execução, durante o período de negociações, que vem a ser limitado a quatro meses, não obstante esteja previsto a possibilidade de, a requerimento fundado, o juiz poder prorrogar o prazo de vigência da suspensão. Salienta-se que, em vista de evitar a verificação de situações abusivas, a proposta consagra a possibilidade de, no decurso daquele período suplementar, o juiz poder determinar o seu levantamento a pedido do devedor ou do administrador judicial provisório ou caso a suspensão deixe de cumprir o objetivo de apoiar as negociações sobre o plano de recuperação. É importante referir ainda que a proposta estabelece que o regime da suspensão não se aplica às ações executivas para cobrança de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação. A segunda prende-se com o alargamento do conceito de contratos executórios essenciais, abrangendo não só os serviços públicos essenciais, mas todos os contratos de execução continuada que sejam necessários à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, garantindo que, durante o período de suspensão das medidas de execução, os credores não podem recusar cumprir, resolver, antecipar ou alterar unilateralmente esses contratos em prejuízo da empresa, relativamente a dívidas constituídas antes da suspensão, desde que o fundamento consista exclusivamente na falta de pagamento. Na mesma medida, e em contrapartida, garante-se que o preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa prestados durante esse período será considerado dívida da massa insolvente em processo de insolvência da mesma que venha a ser decretada nos dois anos posteriores ao termo do prazo de suspensão das medidas execução.
Esta proposta prevê ainda um tratamento diferenciado para o chamado “new money” que seja disponibilizado no decurso do PER ou em execução do plano de recuperação aí aprovado. Assegura-se que os credores que financiem a atividade da empresa, disponibilizando capital para a sua revitalização, gozam de um crédito sobre a massa insolvente, até um valor correspondente a 25 % do passivo não subordinado do devedor à data da declaração de insolvência, caso venha a ser declarada a insolvência do devedor no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação. Mais se estabelece que os créditos disponibilizados a empresas nas condições descritas, e acima do valor referido, gozam de um privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores. Estende-se, ainda, este privilégio aos créditos decorrentes de financiamento disponibilizado à empresa por credores, sócios, acionistas e quaisquer outras pessoas especialmente relacionadas com a empresa em execução do plano de recuperação, proibindo-se expressamente a impugnação pauliana destes financiamentos.
O ministro da Economia defende que “uma empresa que está em PER pode ter uma reestruturação dos seus créditos passados, mas continua a necessitar de capital para fundo de maneio, investimentos, fornecedores, etc. Sem isso, é muito difícil uma reestruturação ter sucesso. O que estabelecemos é que o dinheiro que seja disponibilizado no contexto de um PER tenha um tratamento privilegiado no contexto de uma insolvência subsequente”.
Estipula-se que é nula a cláusula contratual que atribua ao pedido de abertura de um processo especial de revitalização, à abertura de um processo especial de revitalização, ao pedido de prorrogação da suspensão das medidas de execução ou à sua concessão o valor de uma condição resolutiva do negócio ou confira, nesse caso, à parte contrária um direito de indemnização, de resolução ou de denúncia do contrato.
Tendo em vista ultrapassar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do n.º 4 do artigo 17.º-G do CIRE (PER), quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler, por força do disposto no artigo 28.º – ainda que com as necessárias adaptações –, à apresentação à insolvência por parte da empresa, quando este discorde da sua situação de insolvência, procede-se à alteração integral do respetivo regime, de modo a garantir que apenas há lugar à declaração de insolvência sequencial à não aprovação ou não homologação do PER se a empresa, depois de ouvida, a isso não se opuser. O mesmo se propõe no que toca o PEAP.
Na tentativa de assegurar um tratamento mais equitativo dos credores dos quais depende a efetiva restruturação das empresas, introduz-se um conjunto de regras que obrigam à classificação dos credores afetados pelo plano de recuperação em categorias distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos e em função da existência de suficientes interesses comuns, que deverá refletir o universo de credores da empresa. Não obstante, permite-se que as micro, pequenas e médias empresas possam optar por não tratar as partes afetadas em categorias distintas de credores, sendo-lhes aplicável as regras vigentes
Adita-se ainda que os créditos compensatórios resultantes da cessação de contrato de trabalho, pelo administrador da insolvência, após a declaração de insolvência do devedor constituem créditos sobre a insolvência, “assegurando assim, também quanto a este ponto, a necessária segurança e igualdade na aplicação do Direito”.
No mais, no que concerne ao regime do PER, introduzem-se correções pontuais de intuito clarificador, que visam diminuir a litigiosidade quanto a aspetos processuais, a saber: (i) irrecorribilidade do despacho de nomeação do administrador judicial provisório; (ii) densificação do conteúdo da reclamação de créditos; e (iii) inaplicabilidade do disposto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil (CPC) à fase de reclamação e impugnação de créditos
Se a proposta de lei for aprovada pela Assembleia da República, esta entrará em vigor 30 dias após a sua publicação.