TC declara conforme à Constituiçao suspensão do prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente
O Tribunal Constitucional considerou que o regime de suspensão do prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente não viola a Constituição.
Na origem deste acordão temos o longo caso de um contribuinte que, depois de interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente improcedente a reclamação que deduzira da decisão do Chefe de Serviço de Finanças de Aveiro 2, veio recorrer ao Tribunal Constitucional, vendo este tribunal não lhe dar razão por considerar que o artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) não padece de inconstitucionalidade orgânica. Igualmente, declara não inconstitucional o artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, em conjugação com o artigo 2.º, alínea d), desta mesma Lei e com o artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, na interpretação segundo a qual o prazo de prescrição das dívidas tributárias interrompido com a citação não volta a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Fundamentou-se o recorrente, quanto a alegada inconstitucionalidade do artigo 100 do CIRE, no Acórdão n.º 557/2018 do Tribunal Constitucional, que decidiu, em suma, que está ferido de inconstitucionalidade a interpretação do art. 100 do CIRE no sentido de que a declaração de insolvência do responsável principal aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, uma vez que as normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas garantias dos contribuintes, pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, no qual a falta da devida autorização ao Governo para legislar sobre essa matéria configura inconstitucionalidade orgânica.
O recorrente reconhece que o presente caso tem contornos diferentes do que foi apreciado pelo Tribunal Constitucional, uma vez que não está em causa a declaração de insolvência do devedor originário, mas a insolvência pessoal do próprio devedor subsidiário. Contudo, considera o recorrente que os fundamentos que estão na base do referido juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 100.º do CIRE são transponíveis também para o caso quer do devedor originário, quer do devedor subsidiário que foi declarado insolvente, ou seja, na lógica do recorrente, se o artigo 100 do CIRE sofre de inconstitucionalidade orgânica, o que releva é que o Governo legislou sem autorização, independente de quem tenha sido declarado insolvente (devedor principal ou subsidiário.).
Impendia-se, então, ao Tribunal Constitucional decidir se designadamente em face da reserva de competência da Assembleia da República em matéria fiscal (alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição), a Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, constitui base suficiente para conferir ao Governo legitimidade na edição de uma norma que torne oponível ao responsável tributário insolvente a suspensão da prescrição tributária por efeito da sentença que declara a insolvência.
O Tribunal Constitucional vem esclarecer que a suspensão prescricional das dívidas — de todas as dívidas — do devedor insolvente por efeito da declaração da insolvência liga-se à natureza de processo de execução universal. “A solução constante do artigo 100.º do CIRE só pode ser racionalmente compreendida à luz da teleologia própria do processo de insolvência”. É com base nessa ideia que o tribunal entende que, através da Lei n.º 39/2003, o Governo foi autorizado a disciplinar sobre todas as matérias necessárias à definição da totalidade dos créditos do insolvente, incluindo os termos e pressupostos da respectiva exigibilidade, pelo que a norma não padece de inconstitucionalidade orgânica.
Quanto a segunda questão de constitucionalidade, no entender do recorrente, a suspensão no âmbito da interrupção da prescrição resultaria no estabelecimento de uma causa suspensiva da prescrição não prevista na lei, gerada jurisprudencialmente, que afronta o disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, pelo que a questão a decidir passava-se por saber se a interrupção da prescrição tem efeito duradouro, ou seja, se o prazo da prescrição pode ser suspenso até haver uma decisão que ponha fim ao processo.
Considerando não ser aplicável ao caso o n.º 2 do artigo 49.º da LGT (por já se encontrar revogado no momento em que a interrupção se verificou por forca da citação), fundamenta o tribunal recorrido que “é razoável entender que, tendo o legislador tributário previsto expressamente a figura da interrupção da prescrição e admitido a aplicação, às relações jurídico-tributárias, do Código Civil (cf. o artigo 2.º, alínea d) da LGT), a falta de qualquer especificação sobre os efeitos da aludida interrupção, pode legitimamente ser entendida, no âmbito de uma interpretação sistemática da lei, como permitindo uma aplicação subsidiária das disposições da lei civil que regulam os efeitos daquela figura, concretamente, e no que ora particularmente releva, dos artigos 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do Código Civil”, pelo que o prazo de prescrição da dívida tributária, interrompido com a citação do responsável subsidiário, não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional entende que não se mostram violados os parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente, sendo de negar totalmente o provimento ao recurso.